Olá, me chamo Samantha Araújo, tenho 40 anos, tenho baixa visão, sou formada em jornalismo pela Faculdade Ipiranga, há 10 anos e recente fiz uma Pós-Graduação em Educação Especial Inclusiva em Libras na Faculdade Estratego. Este espaço será dedicado as minhas experiências e lutas enquanto pessoa com deficiência. Além disso, o espaço contará com a contribuição de convidados, como profissionais da área da educação e saúde, por exemplo.
Mas voltando a minha pessoa, se um dia me perguntarem se todo este meu esforço valeu a pena, diria que não, porque não me deram a oportunidade para desenvolver o meu potencial, dentro é claro, da minha limitação. Tudo começou quando minha mãe, na gestação, sem sintomas, teve toxoplasmose, que foi descoberto quando eu estava com 8 meses, que era visível o fato de não conseguir pegar os objetos de imediato. A partir daí começou a história da minha vida.
Na primeira consulta oftalmologista fui diagnosticada como cega, existia no meu globo ocular marcas de cicatrizes chamada de coriorretinite (inflamação no fundo do olho que provoca a perda da visão central), que apesar disso, fiquei com 20% de visão periférica.
Com a grande luta dos meus pais, na época escolar, frequentei escola particular. Minha mãe trabalhava e era incansável em não deixar eu ser vista como a “coitadinha”, acompanhava muito de perto, era presença constante na escola. Em suas idas no colégio, sempre constatava meu isolamento no cantinho da sala, sem atividades e os professores dedicados aos alunos “ditos” normais. Com aquela cena, vinha a decepção da minha mãe, mas a tristeza se transformava na vontade de não desistir.
Com 10 anos só cheguei até a 3º série primária, porque todos entendiam que deficientes só precisava saber ler e escrever seu próprio nome. Devido aos vários apelidos que recebia na época, como “cheira papel”, pelo fato de ler muito próximo ao rosto, “tralhota”, “vesga”, decidir que não iria mais para a escola, apesar de todo o esforço dos meus pais em manter os estudos.
Meu irmão, quatro anos mais novo, seguia seus estudos normalmente, enquanto eu estava quase isolada do mundo, no meu quarto, só saia para passeios e festas em família. Com 15 anos, meu irmão passou no vestibular, no curso de Ciência da Computação. A felicidade dos meus pais me inspirou e então resolvi que iria voltar com os estudos, ter uma festa de vestibular e dar o mesmo orgulho aos meus pais. Cheguei com minha mãe e disse que queria voltar a estudar, na mesma hora seu semblante mudou, não sei se com o sustou ou felicidades, mas entre lágrimas e sorrisos, disse que no outro dia iríamos procurar uma escola. Começamos, então, a saga de encontrar um colégio que aceitasse uma jovem de 19, com baixa visão, a retomar com os estudos que haviam sido interrompidos na 3ª série do primário.
Entre idas e vindas em inúmeras escolas, fui aceita no colégio Rui Barbosa, à noite, mas com a condição de sempre está acompanhada de uma auxiliar, já que o local não tinha acessibilidade para receber pessoas com deficiência. Fui fazendo as etapas, do 3º ao 8º ano do primário, bem como, a 1ª, 2ª e 3ª série do ensino médio. Durante todos esses anos, fui acompanhada pela minha família, com a presença da minha mãe mais constante, meu pai e irmão, quando não tinha aula na faculdade.
Fui passando, com um pouco mais de dificuldades que os outros, claro. Em sala de aula eu era ouvinte, minha família copiava as matérias e depois tinha o reforço com uma professora particular, que repassava os conteúdos do dia. Ao concluir ensino médio, minha mãe, sempre ela, sem consultar ninguém, fez minha inscrição em todas as faculdades particulares existente, porque queria avaliar meu nível de conhecimento, já que eu tinha ajuda da família. Para surpresa de todos, fui aprovada em duas faculdades, a Feapa e Ipiranga, e finalmente tive a tão sonhada festa de vestibular, um grande mix de vitória, superação e muitas lágrimas da família em geral.
Cursei Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Toda minha jornada universitária, fui acompanhada por anjos, que abraçavam minha causa, me apoiavam e consegui concluir o ensino superior.
Na faculdade, fiz estágio na RBA e na Prefeitura de Belém, infelizmente não fui aproveitada, não apenas pela baixa visão, mas por falta de recursos ópticos, material de apoio, acessibilidade e profissionais capacitados para receberem e lidarem com pessoas com deficiência.
No dia da minha formatura, minha maior felicidade foi olhar para meus familiares, principalmente minha mãe, que com lágrimas nos olhos, um sorriso largo e o sentimento de: Vencemos, minha filha!
Como disse no início, caso me fosse me questionado novamente se tinha valido a pena, responderia que não. Essa minha conclusão era baseada no desrespeito e na discriminação, falta de oportunidades para pessoas com deficiência, falta do poder público, falta de profissionais capacitados, ferramentas ópticas, bullying e falta de acessibilidade. Nos tornamos vítimas de nós mesmos, como se nossas vidas fossem um fardo para sociedade.
Quando olho para meus pais e eles batem no peito, com orgulho e dizem que venci a ignorância da sociedade, isso me enche de coragem. Sou limitada, mas não é o limite que me define, sou feliz e amada, só preciso de oportunidade de poder ser referência de determinação e mostrar que tenho condições de desenvolver com qualidade as atividades, para atingir os objetivos a mim atribuídos.
Quero agradecer a APAE por me proporcionar essa oportunidade, de ter um espaço para contar um pouco sobre uma jovem, com baixa visão, com diversas dificuldades.
Samantha Thaylana Cohen Lima Araújo
Jornalista